JGCosta
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Quando eu era pequeno meu pai me
ensinou que existiam duas maneiras de fazer tudo na vida. Eu optei sempre pela
mais difícil.
Por quê? Minto dizendo que não
faço ideia. Na verdade costumo dizer que deve ser porque gosto de sofrer ou...
Ou as maneiras mais fáceis nem
sempre são as mais corretas.
Um belo exemplo disso foi quando
comecei a namorar pela primeira vez, na casa dos 17 anos, com uma garota linda
de 16. O que mais eu ansiava era pelo sexo, desesperadamente. Mas, por uma
questão de postura e respeito para com a mesma, decidi agir como um cavalheiro
e ela literalmente me chutou. Seis meses depois estava grávida de outro. Descobri,
por A + B, que a perdi por respeitar demais.
Não teria sido muito mais fácil
me deixar levar?
Na escola tentei avidamente fazer
inúmeras amizades, mas na maioria das vezes preferia ficar sozinho, devorando
grossos volumes de ficção ou livros de história. Quantas vezes não fui tomado
por um cara estranho, e assim sem querer ia afastando os colegas, que só se
aproximavam de mim para obter ajuda.
Por que eu me aprofundava tanto
em meus sonhos de olhos abertos e me isolava dos demais?
Nas empresas que trabalhei o fato
se repetiu. Profissionalmente eu interagia muito bem, mas quando o assunto caia
para o lado pessoal, eu sempre era esquivo ao extremo, dando sempre preferência
aos meus assuntos e passatempos pessoais. Festas de confraternização, nem pensar,
churrascos, longas bebedeiras em bares, tudo isso não fazia parte da minha
agenda.
Será que eu me achava superior
culturalmente de todos que me cercavam?
Mesmo depois de casado, todo o
relacionamento externo seguiu o mesmo padrão, mas tive que tentar aprender a me
dividir, a dar um pouco da minha atenção para alguém que não fosse somente eu.
Tentei, tentei, não consegui e claro, o divórcio chegou como num passe de
mágica.
Seria o egoísmo uma das minhas
“qualidades”?
Demorei a entender que sempre agi
desta forma por simplesmente isso fazer parte de mim, do que eu sou, e quando
finalmente cheguei a esta conclusão, aprendi a me aceitar. Mesmo hoje, sendo
chamado de Doutor pela maioria, um título do qual não me acho merecedor, a
velha frase do meu pai sempre ecoa em minha mente: existem duas maneiras de se
fazer tudo na vida...
“Doutor Mathias, o vereador
Jarbas deseja lhe falar.”
“No telefone ou pessoalmente?”
“Ele está aqui na recepção”
“Mande-o entrar Clarisse.
Obrigado.”
Onze de agosto, o Dia do
Advogado, e o meu primeiro presente é um político. Bom, segundo presente, minha
doce secretaria Clarisse, um verdadeiro achado, já havia me presenteado com um
belo vaso de tulipas, minhas preferidas, e uma irresistível caixa de bombons.
“Como vai Doutor?”
“Deixe de lado o Doutor. Vou bem,
muito bem, sente-se.”
“Você parece mais alegre hoje,
alguma programação especial?”
“Nada de mais, processos e mais
processos, uma infinidade deles.”
“Até parece que foi ontem
Mathias, lembra do colégio, o quanto a gente aprontava. Você ainda parece o
mesmo rapaz, enfeitado com alguns cabelos grisalhos na lateral da cabeça.”
Creio que ele nunca me conhecerá
de verdade. Nunca estudamos na mesma classe e o máximo de contato entre nós foi
um esbarrão maldoso da sua parte, no corredor da cantina. Será que devo dizer
isso a ele?
“Você, meu caro vereador, está
realmente com a aparência de alguém com 50 anos...”
“Sempre esqueço que o Doutor não
tem papas na língua...”
“Perdoe-me a sinceridade, mas não
é crítica, é um elogio. Os homens não devem aparentar exatamente aquilo que
são?”
Eu sabia que esse olhar de
fuzilamento viria, hoje mais rápido ainda do que o normal.
“Pensou na minha proposta?”
“Qual delas?”
“Abandonar esse escritório e
advogar exclusivamente para a Câmara?”
“Vocês já tem um excelente
advogado por lá.”
“Ora, não seja ridículo, ele não
passa de uma ameba crescida demais, para todos os lados.”
“Não penso assim, ele já se saiu
bem em diversos trabalhos.”
“Você continua sendo ridículo
Mathias, falta muito para que ele chegue ao seu patamar.”
“Ou será que lhe falta mais
decoro profissional?”
“Pra quem?”
“Estávamos falando do seu
advogado?”
“Ah, lógico, lhe falta muitas
qualidades, por isso que eu e os colegas insistimos tanto para que aceite esse
cargo.”
Como gostaria que ele pudesse
entender que eu jamais poderia aceitar esse cargo. Vai totalmente contra os
meus princípios e nem é a minha área principal de atuação.
“Jarbas, já falamos inúmeras
vezes sobre isso e a minha resposta continua sendo a mesma: não me enquadro às
expectativas que vocês, nobres edis, tanto desejam.”
“Queremos somente que você faça o
melhor por nós Doutor, e isso é a sua maior virtude. Lembre-se: ótimos
honorários o aguardam por lá!”
“Não são os valores que
discutimos anteriormente que me desagradam, meu caro, mas serão as condutas que
terei de tomar.”
“Mas é só seguir as Leis...”
“E as interpretar em favor dos
meus clientes, sim, esse é o meu encargo público. Mas prefiro continuar
advogando para a minha atual clientela.”
“Insisto Mathias, não existe
diferença entre cá e lá...”
Se eu não falar agora, vou ter um
treco, alguém segure a minha língua.
“Existe toda a diferença do
mundo, vereador Jarbas. Aqui eu determino quais serão meus clientes e minhas
causas a serem defendidas. Lá eu estarei amarrado ao compromisso de representar
ou ao menos chefiar a representação de todos os componentes da Casa.”
“E isso implica em que?”
“Implica que não gosto que nada
seja decidido por mim, resumidamente é isso!”
“Clientes são clientes.”
“E advogados são advogados...”
“Você torna tudo mais difícil do
que é.”
“Pois é, assim pensava também meu
finado pai...”
“Deus O tenha, foi um grande
homem.” – Ele disse com a mão direita sobre o coração.
Foi mesmo, o melhor de todos que
conheci, com suas qualidades e defeitos.
“Você o conheceu?”
“Não, somente de nome...”
Foi o que pensei.
“Que pena, iria gostar muito
dele, jogava xadrez como um russo, falava alto como um italiano e gostava de
viver como um brasileiro...”
“Não mude o foco Doutor, você não
pode reconsiderar a minha proposta? Precisamos do melhor no comando do nosso
setor jurídico.”
“Agradeço muito pela consideração
Jarbas. Por favor, faça com que esse meu agradecimento chegue aos demais edis,
mas tenho outras metas para o futuro.”
“Última palavra?”
“Sinto muito.”
“Bom, como é que você diz mesmo?
Aquela sua frase...”
“... nem tudo são flores!” Disse
rápido interrompendo-o.
“É verdade. Mas não esqueça, a
proposta continua valendo, caso mude opinião.”
“Assim como a minha porta sempre
estará aberta a novos clientes.”
“Desde que você aceite
defendê-los...”
“Obviamente vereador. Passar
bem.”
Como tudo em minha vida,
metodicamente construí uma sólida carreira de advogado, pautado principalmente
no princípio de poder defender àqueles cuja causa eu considerasse justa. No
começo da minha profissão, quando optei pela advocacia criminal, como rege o
Código de Ética e Disciplina da Ordem de Advogados do Brasil, sempre tive o
cuidado de não cometer um deslize sequer, manchando assim uma carreira que
queria seguir até o fim da vida.
Eu sabia muito bem, através da
mídia, a quantas andava as ações dos vereadores no meu município, em diversas
esferas, e não queria correr um risco desnecessário, apesar das pressões
referentes à minha contratação, sempre cogitada por anos a fio. Poderia haver
um momento em que essas insistências se tornariam insuportáveis e eu não
dispusesse de mais um pingo de paciência para lidar com a situação, correndo o
risco de me tornar uma pedra no sapato de algum poderoso senhor da cidade e
assim angariar inimigos. Bom, como o verbo é no futuro, deixemos para ele as
consequências de meus calculados princípios.
Foi seis meses o tempo em que o
citado futuro reservou para uma mudança de postura da minha parte, situação na
qual me coloquei por livre e espontânea vontade.
O mesmo vereador Jarbas, agora
correndo risco de cassação, se encontrava detido em cela especial na cadeia
local, acusado de tentativa de homicídio, e no aguardo de uma audiência em júri
popular. O descompromissado advogado que o defendia simplesmente lavou as mãos
e abandonou o caso, alegando envolvimento pessoal.
Numa tarde como outra qualquer
sua esposa me procurou no escritório e conseguiu me convencer a defendê-lo.
“Ele precisa do senhor.” – Ela
começou dizendo com os olhos molhados.
Era uma bela senhora, de fato, na
casa dos 40 anos, corpo esguio, educada, fina mesmo. Impossível relacioná-la
com o príncipe em forma de sapo, sem abusar do sarcasmo, de como eu definiria o
seu esposo Jarbas.
Fiz um gesto para que
prosseguisse.
“Foi tudo uma armação, ele não
fez nada!”
“Sra. Jamile, preciso ser
sincero: todos dizem isso!”
“Não! Ele não fez nada mesmo. Só
bebeu um pouco demais, nós dois bebemos. Depois caímos no sono deitados nas
cadeiras, em volta da piscina. Havia mais três casais conosco, todos compostos
por colegas vereadores do Jarbas. Qualquer um poderia ter entrado na chácara e
disparado contra mim, depois chamado a polícia.”
“A senhora chegou a entrar em
coma por dois dias, estava embriagada, como pode ter certeza que ele não
atirou, tomado por uma insanidade qualquer?”
“Ele me ama, jamais me faria mal
algum, eu sei disso. E que motivos ele teria?”
“Diga-me a senhora.”
“Nós dois temos muito dinheiro,
viemos os dois de famílias abastadas. Não tenho nenhum seguro milionário em meu
nome. Jamais nem pensei em traí-lo com outro homem, amo o homem que ele é, da
maneira como ele é.”
“E quem mais poderia querer lhe
matar?”
“Não tenho inimigos! A única
explicação seria alguém tirá-lo do caminho, por questões políticas, mas isso
não tem lógica. É seu último mandato, está abandonando a carreira para se
dedicar a arte, sabe, ele é um exímio pintor.”
“Não conhecia esse dom do Jarbas,
bem, na verdade intimamente pouco sei do seu marido. A senhora terá que
fornecer todos os mais íntimos detalhes que souber, de ambos, e a partir desse
momento começar a ser totalmente honesta comigo.”
“Já estou sendo explicitamente
sincera com o Doutor...”
“Desculpe-me contradizê-la, mas
não está! Tenho anos de experiência com todos os tipos de pessoas e a senhora
oculta algo.”
“Em relação a que eu poderia
estar mentindo?”
“Ao fato de nunca ter traído seu
marido. No momento em que falou olhou para as mãos e desviou o olhar...”
“Foi por pura timidez. O Doutor é
muito bonito e tem os olhos mais azuis que eu já vi.”
“Agora que estamos começando a
finalmente ficar mais íntimos, me chame de Mathias. E não se preocupe, sei que
não está mentindo, só usei de um pouco de manipulação para deixá-la mais a
vontade. Agora me conte tudo, todos os detalhes daquela tarde, cada vírgula é
importante.”
Depois de 30 minutos sem que mais
nenhuma novidade surgisse a dispensei. Precisava falar com Jarbas, caso fosse
aceitar o cargo. Toda a história narrada me levava para um quebra-cabeça
perfeito, sem nenhuma peça faltando. A Sra. Jamile, a vítima, apesar de
envolvida emocionalmente com o suspeito, seria a testemunha perfeita, até
demais. Perpassava uma sinceridade que ia além do normal.
Na cadeia, depois da rotina para
liberação de visita, facilitado pelo meu conhecimento de longa data com o
delegado, pude ter algum tempo de privacidade com Jarbas, um sujeito
aparentemente arrasado.
“Que bom que veio Doutor. Falei
para Jamile que o amigo seria minha única chance.”
“Se você não é culpado, qualquer
bom advogado dará conta de lhe libertar.”
“Mathias” – disse ele quase
sussurrando – “Armaram pra mim! Somente um excelente advogado como você vai
encontrar uma maneira de me livrar. Por mais que eu não tenha nenhum motivo,
também não tenho nenhum álibi. Estava deitado segurando um revólver no colo,
enquanto Jamile sangrava para morrer ao meu lado.”
“Sei de todos os detalhes:
ninguém ouviu nada, foram todos para o outro lado da chácara, enquanto vocês
descansavam. Quando chegaram e viram a cena, chamaram a ambulância que veio
acompanhada pela polícia. A perícia constatou que ninguém modificou a cena do
crime. O tiro foi disparado pela arma que estava presa à sua mão. Foi
constatado vestígio de pólvora em seus dedos... Calma homem!”
Jarbas chorava como uma criança
chegando a soluçar. Por um momento tive vontade de abraçá-lo, creio que foi
isso que me motivou a lhe defender.
“Tenha calma! Farei tudo que
puder para livrá-lo daqui. Vamos começar com um habeas corpus e tirá-lo da
cadeia.”
“Obrigado Mathias.” – Ele
conseguiu dizer entre os soluços.
Três dias depois Jarbas estava
livre, aguardando o julgamento em liberdade, nunca sofrera um simples processo
nas costas, tinha residência fixa e pleno desejo de colaborar com a
investigação.
Eu me esforcei ao máximo para
buscar uma solução para o seu caso, mas quando me vi num beco sem saída, às
vésperas de comparecermos ao tribunal, propus a Jarbas que tentássemos um
acordo com o promotor do caso, para abrandar a sua pena, no que ele foi
categórico:
“Prefiro a decisão do júri e a
batida do martelo. Jamais vou admitir que atirei em Jamile, jamais!”
Com essa sua decisão tudo ficou
mais difícil. No dia da sessão fiz uma das minhas atuações mais brilhantes de
que tenho lembrança. Chamei sua esposa para testemunhar, ele próprio, os
envolvidos diretos que participaram do incidente, outros amigos de longa data.
Pintei um quadro de inocência perfeito, recheado por um amor pleno, mas
literalmente “chovi no molhado”. Nenhum dos meus argumentos tirou da mente dos
jurados a visão das fotografias do corpo da vítima e a do revolver com o
acusado.
Tentei ao menos convencê-los de
que foi um ato impensado, de uma pessoa fora de suas condições normais de
raciocínio, pois se tivesse a clara intenção de matar sua esposa, teria então
atirado em sua cabeça ou no seu coração, não em sua barriga. O juiz o condenou
há 5 anos de prisão em regime fechado, por tentativa de homicídio, com todos os
direitos a redução da pena prevista em Lei.
Fiquei muito abatido com a
decisão, mas Jarbas me agradeceu profundamente, em meio a um abraço
desconcertante.
“Você é um grande amigo e um
excelente advogado. Vou lhe confessar algo: eu menti!”
“O que você quer dizer com isso?”
– disse enquanto o policial encarregado de conduzi-lo se aproximava.
“Eu nunca tinha ouvido falar do
seu pai, mas tenho certeza de que ele teria orgulho do filho que trouxe para
esse mundo.”
Quem diria que alguém conseguiria
arrancar um sorriso de meu rosto tão facilmente, principalmente num momento
igual a esse, aonde por dentro o sofrimento chegava a doer. Foi a última coisa
que Jarbas viu da minha pessoa, uma cabeça balançando negativamente com um
sorriso bobo na face. Uma semana depois, numa aparente confusão na penitenciária
para onde ele foi enviado, alguém lhe tirou a vida. Creio que perdi o único
amigo de verdade que eu fiz na vida, mesmo isso ocorrendo de forma tão
inesperada. E justamente quando eu começava a aprender a fazer as coisas da
maneira mais fácil.
Nunca tive certeza do que de fato
aconteceu com ele na prisão, cuja investigação não levou a nada, nem do
verdadeiro culpado do disparo contra Jamile. Mas certa desconfiança se apossou
de mim algum tempo depois, quando recebi uma pequena correspondência, que por algum
motivo tinha certeza de que havia sido engano, pois vinha do Canadá e não
conhecia ninguém que residisse ou estivesse de férias por lá. Só notei que
estava enganado ao constatar que se tratava de uma devolução de correspondência
que não chegara ao seu destino.
Era um envelope simples, com
inúmeros selos cobrindo quase todo o seu lado esquerdo, e diversos carimbos
azuis. Mais pela curiosidade do que por qualquer outra razão, o rasguei
cuidadosamente e retirei de lá um cartão fino com uma única frase digitada no
centro, enquanto belos desenhos de tulipas enfeitavam as bordas.
“Voei” para a delegacia. Não foi
constatada nenhuma digital na correspondência e na central dos Correios fui informado que a carta não foi entregue diretamente no balcão de atendimento,
mas coletada numa das diversas caixas de armazenamento próprio para envelopes
que existiam na cidade, em diversos bairros afastados do Centro.
Devido a um controle interno,
conseguiu-se descobrir até o bairro onde a carta foi colocada, mas nenhuma
testemunha do fato surgiu após a divulgação do fato na mídia. Assim encerrou-se
o último capítulo da minha pequena amizade com o agora finado Jarbas. Jamile eu
nunca mais vi, mudou-se para bem longe. Bem que gostaria de encontrá-la
qualquer dia desses para lhe perguntar se em algum momento seu marido havia lhe
mencionado a minha frase preferida, e que por algum motivo estava impressa
naquele bilhete.
Prefiro ainda acreditar que tudo
não passou de uma brincadeira, que acabou se tornando uma despedida, pois como
é fácil de se constatar, na vida nem tudo são flores...
Nota do autor: Esse é um conto de
ficção. Qualquer semelhança com pessoas e fatos reais é meramente coincidência.
Encuentro tu blog muy interesante y atractivo. Me agrego a tus amigos.
ResponderExcluirSaludos desde España
Grato Julia pelo carinho! Abraços!
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