Texto recebido da amiga Maria Emília, buscado na rede e compartilhado agora com os amigos. Apesar da idade do texto, ele está mais atual do que nunca! Ainda dá tempo de compartilha-lo...
Raquel de Queiroz
O texto Votar, da cearense Raquel de Queiroz, foi publicado
na sua sessão Última Página, da revista O Cruzeiro, em 11 de janeiro de 1947.
No dia 19 haveria eleições gerais para vinte governadores de estado, um terço
do Senado e eleições suplementares para a Câmara dos Deputados, e ela trata dá
seu recado ao eleitor numa mensagem que é plenamente atual. Reproduzo-o e
aproveito os 65 anos de sua publicação para pedir o voto nos candidatos 65, do
Partido Comunista do Brasil.
Votar
Não sei se vocês têm meditado como devem no funcionamento do
complexo maquinismo político que se chama governo democrático, ou governo do
povo. Em política a gente se desabitua de tomar as palavras no seu sentido
imediato.
No entanto, talvez não exista, mais do que esta, expressão
nenhuma nas línguas vivas que deva ser tomada no seu sentido mais literal:
governo do povo. Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de
FAZER O GOVERNO.
Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um
inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma
simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o
indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de
tempo.
Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis
velhas e fazer leis novas – e quão profundamente nos interessa essa manufatura
de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a
luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.
Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar
impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses
impostos. Vejam como é grave a escolha desses “cobradores”. Uma vez lá em cima
podem nos arrastar à penúria, nos chupar a última gota de sangue do corpo, nos
arrancar o último vintém do bolso.
E, por falar em dinheiro, pelo voto escolhem-se não só
aqueles que vão receber, guardar e gerir a fazenda pública, mas também se
escolhem aqueles que vão “fabricar” o dinheiro. Esta é uma das missões mais
delicadas que os votantes confiam aos seus escolhidos.
Pois, se a função emissora cai em mãos desonestas, é o mesmo
que ficar o país entregue a uma quadrilha de falsários. Eles desandam a emitir
sem conta nem limite, o dinheiro se multiplica tanto que vira papel sujo, e o
que ontem valia mil, hoje não vale mais zero.
Não preciso explicar muito este capítulo, já que nós ainda
nadamos em plena inflação e sabemos à custa da nossa fome o que é ter moedeiros
falsos no poder.
Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir
e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático.
E, circunstância mais grave e digna de todo o interesse: dá-se aos
representantes do povo que exercem o poder executivo o comando de s as forças
armadas: o exército, a marinha, a aviação, as polícias.
E assim, amigos, quando vocês forem levianamente levar um
voto para o Sr. Fulaninho que lhes fez um favor, ou para o Sr. Sicrano que tem
tanta vontade de ser governador, coitadinho, ou para Beltrano que é tão amável,
parou o automóvel, lhes deu uma carona e depois solicitou o seu sufrágio –
lembrem-se de que não vão proporcionar a esses sujeitos um simples emprego bem
remunerado.
Vão lhes entregar um poder enorme e temeroso, vão fazê-los
reis; vão lhes dar soldados para eles comandarem – e soldados são homens cuja
principal virtude é a cega obediência às ordens dos chefes que lhe dá o povo.
Votando, fazemos dos votados nossos representantes legítimos, passando-lhes
procuração para agirem em nosso lugar, como se nós próprios fossem.
Entregamos a esses homens tanques, metralhadoras, canhões,
granadas, aviões, submarinos, navios de guerra – e a flor da nossa mocidade, a
eles presa por um juramento de fidelidade. E tudo isso pode se virar contra nós
e nos destruir, como o monstro Frankenstein se virou contra o seu amo e
criador.
Votem, irmãos, votem. Mas pensem bem antes. Votar não é
assunto indiferente, é questão pessoal, e quanto! Escolham com calma, pesem e
meçam os candidatos, com muito mais paciência e desconfiança do que se
estivessem escolhendo uma noiva.
Porque, afinal, a mulher quando é ruim, dá-se uma surra,
devolve-se ao pai, pede-se desquite. E o governo, quando é ruim, ele é que nos
dá a surra, ele é que nos põe na rua, tira o último pedaço de pão da boca dos
nossos filhos e nos faz apodrecer na cadeia. E quando a gente não se conforma,
nos intitula de revoltoso e dá cabo de nós a ferro e fogo.
E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho,
mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido
a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou
aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa
arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez.
Lembre-se de que o voto é secreto.
Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não,
diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se,
do lado de fora da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de
que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra
dada à força, e escute apenas a sua consciência. Palavras o vento leva, mas a consciência
não muda nunca, acompanha a gente até o inferno.
Texto atualizadíssimo, apesar de sexagenário... Fala a voz da experiência quanto aos valores que deveriam nos acompanhar sempre!
ResponderExcluirÓtima escolha!
[ ] Célia.