Excelente indicação do amigo ACAS, um exemplo de amor e atitude de um pai...
ESSE AUSTRALIANO ACREDITAVA QUE VIAJAR PODERIA TRAZER
BENEFÍCIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO SEU FILHO AUTISTA E APOSTOU EM UMA
AVENTURA DE SEIS MESES PELA ÁFRICA.
Eu mais do que
ninguém acredito muito no poder de aprendizado e transformação de uma longa
viagem e quando tomei conhecimento da história deles fiquei encantada em
compartilhar. É uma história linda, que mostra o potencial e os benefícios de
viver essa experiência para qualquer pessoa. Não deixe de ler.
James é médico de família em Sydnei, na Austrália, e em 2015
decidiu realizar uma aventura pela África com o seu filho autista, Sam de 14
anos, visitando 10 países ao longo de seis meses. Foram dois anos de
preparação. A viagem foi projetada para expor propositadamente Sam à
imprevisibilidade e incerteza, a fim de melhorar as habilidades de comunicação,
sociais e de vida de Sam. A experiência foi compartilhada através do blog “Sam and James Life”, e eu pedi ao James que compartilhasse com a ViraVolta um pouco
dessa aventura.
“James, eu acho que Sam apresenta um quadro de autismo”,
disse o pediatra, bem direto. Era 2004, e meu filho Sam tinha quase três anos
de idade.
Como muitos pais, minha esposa Benison e eu atravessamos o
trauma de lidar com um diagnóstico de autismo em nosso filho, e sofremos a dura
rotina de uma intervenção precoce intensiva. As habilidades de comunicação e
sociais de Sam melhoraram com anos de trabalho duro; trabalho mais difícil
ainda para o Sam.
Benison, que é escritora médico, foi abordada para
co-escrever um livro para pais que lidam com um novo diagnóstico de autismo. Um
guia, podemos dizer. “The Australian Autism Handbook” viria a se tornar a bíblia
best-seller sobre o autismo para famílias australianas na mesma situação. Eu
era um médico de família e minha prática logo passou a ser mais focada no
autismo.
Quando Sam chegou à adolescência, ele foi transferido de uma
escola primária de necessidades especiais para uma escola mainstream, então
Benison e eu começamos a nos perguntar se havia algo mais que poderíamos fazer
para tentar melhorar as habilidades de Sam e maximizar a sua independência. Nós
dois estávamos familiarizados com as últimas pesquisas e pensando sobre o
autismo e, em especial, autismo na adolescência.
A adolescência foi emergindo como uma nova fronteira para
explorar em neurobiologia. É um momento de grandes mudanças físicas, e o
cérebro é parte disso. O crescimento neuronal aumenta, mas ao mesmo tempo faz
uma “seleção”, onde os nervos menos utilizados, conexões e caminhos são
eliminados. A adolescência tem sido descrita como uma “segunda infância”.
Então, o que isso tem a ver com Sam?
O autismo recebe um enorme foco e atenção nos primeiros anos
da infância, porém, quando o cérebro é inerentemente mais “plástico” e,
portanto, capaz de ser remodelado, essa é também uma ótima oportunidade para
melhorar os resultados. Agora, uma forte base de evidências apoia esta teoria.
Então, por que não a adolescência?
Combinando o que sabíamos sobre pesquisas do autismo, e
sobre a adolescência e neurobiologia, fazia muito sentido para mim e Benison
aproveitar esta oportunidade. Uma exposição prolongada e intensa à incerteza e
à imprevisibilidade em um ambiente dinâmico durante o pico da adolescência,
onde o único objetivo seria de melhorar as habilidades de Sam e,
consequentemente, reduzir a sua deficiência para o resto de sua vida.
Bem, essa era a teoria. O experimento? Uma viagem de seis
meses pela África tentando maximizar imprevisibilidade. Sam e eu viajamos sem
muito conforto e de forma não planejada por dez países: África do Sul, Lesoto,
Namíbia, Botsuana, Zimbábue, Zâmbia, Malaui, Uganda, Quênia e Tanzânia.
Demorou um pouco para Sam perceber o quão difícil isso seria
para ele, mas a ficha acabou caindo. Depois de alguns dias ele começou a ficar
agitado, pedindo constantemente para ir para casa, e, pela primeira vez ele
ficou fisicamente agressivo comigo. Logo ficou evidente que este seria um
trabalho duro para nós dois.
O idioma, sotaques, as barreiras culturais… Houve uma
infindável variedade de desafios, de decisões a serem tomadas e de novidades a
serem tratadas. A gente se deslocava pulando na caçamba de caminhões de trigo,
pegando ônibus locais transbordando de passageiros, bagagens e até galinhas, ou
até mesmo de canoa para cruzar um rio.
Sam teve de lidar com a realidade de conhecer pessoas novas
o tempo todo. Ele nunca teve que falar tanto em sua vida, muito menos com
pessoas desconhecidas de lugares que ele nunca tinha ouvido falar antes. E logo
a experiência começou a mostrar o seu potencial. A intensa ansiedade e angústia
evidente no início da viagem começaram a diminuir e a base de competências de
Sam começou a crescer. Ele estava lidando melhor com as multidões, as
tentativas de conversa, o caos e a incerteza.
Como o nosso roteiro começou pelo Sul da África seguindo em
direção à parte central leste, logo a nossa viagem se tornou mais áspera, os locais
menos desenvolvidos, mais isolados e os desafios maiores. Os países do início
da viagem, África do Sul, Namíbia e Botswana, eram relativamente mais
civilizados em comparação com os seguintes; Zimbabwe, Zâmbia, Malawi e Uganda.
Nós acabamos visitando lugares que eu nunca tinha ouvido
falar ou planejado ir. Três tentativas mal sucedidas de entrar em Moçambique
nos deixaram presos em uma fronteira por dois dias, o que nos fez pegar carona
em uma ambulância decrépita em direção à cidade onde voaríamos para Uganda, um
país que nunca planejei visitar em minha vida. A África definitivamente
garantiu muitas incertezas.
Sam voou em um helicóptero sobre o Victoria Falls, se
aventurou em motos através de cidades populosas, fez rafting descendo o rio
Nilo, passeou de canoa através das zonas úmidas do Okavango Delta e ficou preso
no meio de uma grande migração, com uma manada de gnus correndo em torno do
nosso veículo antes de enfrentar o ataque de crocodilos no Rio Mara.
Houve encontros próximos com elefantes, hipopótamos,
rinocerontes, guepardos, leopardos, crocodilos e leões, é claro. Uma vez um
hipopótamo pisou sob a nossa cabana e um mês mais tarde um leão descansou do
sol sob o nosso carro. Os olhos de Sam estavam arregalados.
Ele teve muitas lições e experiências culturais e sociais.
Pela primeira vez em sua vida, ele viu a pobreza, aparente nos mendigos nas
ruas e em vastas favelas ao redor das cidades. Ele testemunhou em primeira mão
a corrupção policial, o suborno exigido para atravessar fronteiras e mais para
o fim da viagem um assalto. Além das aulas de história incluindo Mandela e o Apartheid,
a corrupção e a violência dos regimes de Mugabe e Idi Amin, e as terríveis consequências
do tráfico de escravos e da colonização.
Enquanto meu filho foi se tornando mais mundano, eu estava
me tornando mais exausto.
Nós chegamos em direção à linha de chegada. Equipamentos
quebrados, pertences perdidos e corações cheios de saudades de casa. Sam tinha
mudado. O que parecia impossível no início se tornou banal. Fazer refeições,
decidir que caminho seguir, conversar com um estranho. Sam não reclamava mais.
Não era só por que ele sabia que chegaria logo em casa, mas ele também entendia
que ele tinha aprendido a lidar com aquelas situações; e através da um grande
desafio.
Finalmente voltamos para casa. Nós caímos nos braços
acolhedores de Benison. A melhoria da linguagem de Sam e suas habilidades
sociais logo se tornaram evidentes para os outros. Olhares de espanto e
sorrisos surgiram quando ele conseguiu fazer um pedido sozinho no restaurante,
foi até lojas para comprar café, e demonstrava a autoconfiança e a iniciativa
que antes ele não tinha. Mas a melhoria foi muito além das habilidades apenas,
ele agora tinha mais consciência dele mesmo. Quando perguntado o que ele se tornou
com a viagem, ele responde: “Eu fui um menino e voltei uma pessoa.”
Créditos das fotos e texto: James Best
FONTE: SITE VIRA VOLTA